Episódios da Restauração

Desde as “alterações de Évora” que o nome de D. João, VIII Duque de Bragança, andava em surdina de boca em boca.
Nos acontecimentos do Alentejo, os revoltosos chegaram a aclamá-lo como “Rei D. João IV”, porém, segundo Roque Ferreira Lobo, na “História da Feliz Aclamação”, o Duque “apenas em Vila Viçosa o soube, fez todos os esforços com o Arcebispo de Évora e com o Marquês de Ferreira, que então assistia naquela cidade, para calmarem as desordens daquele povo, sem que respirasse a aprovação que ele dava às suas justíssimas queixas...”
O Duque D. João, embora consciente da sua legitimidade dinástica e da grandeza da sua Casa, a mais opulenta da Península, agiu sempre com segurança e prudência, evitando precipitar os acontecimentos, procurando a oportunidade, adequada ao tempo e às circunstâncias, para intervir.
Esta atitude seria interpretada por muitos como receio de se expôr e de assumir responsabilidade, em acções de duvidoso resultado, arriscando os privilégios e fortuna da sua Casa.
O desânimo provocado por esta suposta posição do Duque de Bragança, levou mesmo alguns fidalgos a contactar o seu irmão, D. Duarte, que se encontrava na Alemanha, para lhe propôr a liderança de um movimento insurreccional.
Ao Conde-Duque de Olivares não passava, no entanto, despercebida a importância e o perigo que constituía a crescente onda de interesse e simpatia pela figura do Duque D. João.
Tenta, primeiro, afastá-lo do Reino, oferecendo-lhe o cargo de Vice-Rei de Milão, o que foi recusado pelo Duque, alegando o seu desconhecimento das questões internas da Lombardia. Nomeia-o, de seguida, Governador das Armas do Reino, com o pretexto de que aa Armada francesa ameaçava as nossas costas, sendo necessário acudir à sua defesa.
Ao mesmo tempo, Olivares vai criando condições para apanhar o Duque em falta e dominá-lo.
Recomenda-lhe que passe revista a todos os quarteis e fortalezas do Reino, ordenando secretamente aos respectivos comandantes que o prendam e o enviem, sob escolta, a Madrid.
Avisado a tempo, D. João faz-se acompanhar por uma comitiva de fidalgos fiéis, não tendo sido molestado e vendo, pelo contrário, aumentado o seu prestígio.

Quando D. João visitou Almada, foi procurado por D. Miguel de Almeida, Pedro de Mendoça Furtado, D. António Mascarenhas, D. Antão de Almada e Francisco de Melo, os quais tentaram convencê-lo a aceitar a Coroa, tendo, até, D. António Mascarenhas, afirmado que no dia em que D. João fosse visitar a Duquesa de Mântua, seria aclamado Rei, mesmo contra sua vontade.
A todas setas diligências se escusou o Duque de Bragança, pretextando falta de oportunidade.
No entanto, antes de partir de Almada, confidenciaria ao Padre Nicolau da Maia, “que dava por feliz aquela jornada, só pela boa vontade dos fidalgos e de todas as pessoas, e que por elas havia de empenhar a vida e o estado”
Por outro lado, para melhor demonstrar aos espanhóis a sua neutralidade, resolveu seguir de Almada para Lisboa, a fim de render homenagem à Duquesa de Mântua.
No Terreiro do Paço, é vitoriado entusiasticamente pela multidão.
No salão nobre, quando tudo está a postos para a cerimónia, Tomé de Sousa avança resoluto e coloca uma cadeira ao lado da que estava reservada para a Duquesa, sob o dossel real.

Na segunda metade do ano de 1640, agrava-se a situação na Catalunha. Os catalães não suportavam os abusos e vexames das guarnições castelhanas que ocupavam o país e, não tendo, também, obtido qualquer resposta de Olivares às suas repetidas reclamações, revoltaram-se, matando o Vice-Rei e pedindo auxílio a França.
Barcelona tornou-se no centro do movimento insurreccional, que se ia alastrando a outras localidades como Gerona, Balaguer, Lérida e Olot.
Entretanto, tropas francesas, sob o comando de Argenson e do Conde de La Motte, sitiaram Tarragona.
Olivares pensa tirar o melhor partido da situação e ordena a mobilização de toda a Nobreza de Portugal, incluindo o Duque de Bragança, para integrar o exército que iria desencadear as acções de retaliação contra os catalães. Manda, paralelamente, proceder ao recrutamento de soldados, em todo o país.
Este plano de Olivares e o consequente encaminhamento dos portugueses para a Catalunha, fizeram ultrapassar as hesitações ainda existentes e o movimento restaurador, em Portugal, toma forma definitiva.

Jorge de Melo, Mestre de Campo de um dos Terços recrutados na Beira, era um dos fidalgos que mais insistia na necessidade de o Duque D. João aceitar a Coroa. Para tal, não só aproveitava as oportunidades  proporcionadas pelo seu cargo militar, para divulgar a sua opinião, como escrevia frequentemente a D. Francisco de Melo, III Marquês de Ferreira, e a D. Afonso de Portugal, V Conde de Vimioso, parentes do Duque de Bragança, residentes em Évora, no sentido de convencer este a aceitar o Trono.
Logo que regressou da Beira para o seu palácio de Xabregas, Jorge de Melo apressou-se a reunir aí os fidalgos presentes na jornada de Almada, à excepção de seu irmão, Francisco de Melo, Monteiro-Mór, ausente em Santarém.
Logo se começou a preparar o plano conspirativo e a discutir a melhor forma de levar o Duque D. João a acabar com as suas hesitações.

Pedro de Mendoça (Alcaide-Mór de Mourão) era amigo e companheiro de caça do Duque e, residindo em Mourão, deslocava-se muitas vezes ao Paço de Vila Viçosa. Depois da reunião de Xabregas, passou a visitar mais assiduamente aquele Paço, informando D. João sobre a evolução dos acontecimentos, suscitando o seu interesse pela causa restauradora.
Tratava o Duque com honras de soberano, beijando-lhe a mão, mas este reagia sempre, acompanhando-o pessoalmente até à porta e insistindo que o queria como amigo e não como vassalo.

Em 12 de Outubro de 1640, voltaram os fidalgos a reunir, agora na casa de D. Antão Vaz de Almada, no Rossio, no antigo Campo de Valverde. O palácio ocupava uma grande área, com jardins, tendo o grupo reunido num pavilhão encoberto por frondosas árvores.
Estiveram presentes, além do anfitrião, D. Miguel de Almeida, Francisco de Melo, Monteiro-Mór, seu irmão, Jorge de Melo, Pedro de Mendoça, António de Saldanha e João Pinto Ribeiro, agente da Casa de Bragança, tido como pessoa de grande talento, convocado por D. Miguel de Almeida.
Manifestaram os conjurados a sua desilusão pelas hesitações do Duque, acusando-o de “remissivo e irresoluto”, ao que João Pinto Ribeiro retorquiu, procurando justificar a atitude de D. João e chamando a atenção para as consequências de acções precipitadas, em situação de tão grande melindre.
Concluiu, no entanto, que, se a aclamação do Duque como Rei de Portugal era a solução, então que o aclamassem mesmo sem o seu consentimento, pois, perante tal situação, “havia de querer ser Rei em contingência, que vassalo suspeitoso...”
Os fidalgos concordaram, mas decidiram, apesar de tudo, avisar D. João acerca dos seus propósitos e insistir, uma vez mais, em que aceitasse a Coroa.
Assim, incumbiram João Pinto Ribeiro da missão, mas este escusou-se, alegando que, dadas as suas funções, não era a pessoa mais indicada, sugerindo Pedro de Mendoça, “porque nele concorriam todas as circunstâncias de que se devia esperar a felicidade da jornada...”
Pedro de Mendoça aceitou de bom grado a missão e partiu imediatamente com destino a Évora, onde iria dar a conhecer a decisão dos conjurados ao Marquês de Ferreira e ao Conde de Vimioso, aproveitando, também, para lhes pedir apoio.
Com cartas destes titulares, dirigidas ao Duque D. João, seguiu, depois, para Vila Viçosa.

Dirigiu-se logo à Tapada, uma das maiores da Península, onde D. João praticava aa caça ao gamo e ao javali, seu passatempo preferido.
Aproveitando uma altura em que este se encontrava isolado dos seus monteiros, abordou-o de forma directa e firme. Disse que vinha pedir, em nome de quase toda a Nobreza do Reino, que aceitasse a Coroa de Portugal.
Argumentou com o descontentamento dos povos; o grande número de aderentes ao movimento restaurador, dispostos a sacrificar a vida e a fazenda, “com segura confiança de lhe eternizarem a Coroa, fundada no valor dos portugueses tantas vezes experimentado...”; o factor surpresa que confundiria e enfraqueceria os castelhanos, preocupados com a guerra com a França e a insurreição na Catalunha.
Sublinhou ainda que a determinação da Nobreza era tal que aclamariam o Duque de Bragança, mesmo sem o seu consentimento e advertiu “que quando não achassem por uma ou por outra via meio de o persuadir, que estavam resolutos a formar uma Republica; e que devia considerar quanto desdouro seria para a sua opinião entre as nações estrangeiras verem que erigiam Republica, tendo nele Príncipe natural...”.
O Duque ficou impressionado com o discurso de Pedro de Mendoça, mas pediu-lhe algum tempo para reflectir e para se aconselhar com António Pais Viegas, seu secretário privado e homem da sua maior confiança.
Esta atitude terá, certamente, contrariado Pedro de Mendoça, pois havia pedido antes ao Duque para não dar conhecimento da sua representação ao secretário, conforme decidido pelos conjurados em Lisboa. De facto, pensava-se que grande parte das hesitações do Duque
eram causadas pelos conselhos de António Pais Viegas.
Contrariamente, porém, ao previsto, Pais Viegas, posto ao corrente da exposição de Pedro de Mendoça e solicitado pelo Duque a dar o seu parecer, mostrou-se a favor da proposta dos conjurados, embora de uma maneira muito hábil, Com efeito, começou por formular uma pergunta a D. João, “a qual era que se acaso os portugueses formassem uma Republica, que partido havia de seguir, se o de Portugal, se o de Castela?”.
Respondeu D. João ”que sempre estivera deliberado a se não apartar do comum consentimento do Reino, e qualquer perigo a que se arriscasse pela defesa da Pátria, teria por muito suave”.
Então Pais Viegas concluiu, com grande veemência, que nessas palavras estava contida a resposta a dar a Pedro de Mendoça, pois, “se pela Patria se resolvia a arriscar a vida, sendo vassalo de uma Republica, quanto mais glorioso e quanto mais conveniente era, empenhá-la sendo Rei de um Reino, que lhe pertencia de justiça...”
O Duque de Bragança ouviria ainda sua mulher, a Duquesa D. Luisa de Gusmão, a qual “julgou generosamente por mais acertado, ainda que morte fosse consequência da Coroa, morrer reinando que acabar servindo...”
O Duque chamou, finalmente, Pedro de Mendoça e, agradecendo-lhe os trabalhos e os perigos a que se expusera por sua causa, comunicou-lhe que decidira “aceitar a Coroa para a fazer respeitada a seus inimigos e comum a seus vassalos, porque na ocupação que a Nobreza lhe dava escolhia o trabalho do governo, e largava os que governasse os interesses do Império”.

Pedro de Mendoça, satisfeito pela missão cumprida, partiu logo para Mourão, pretendendo dar a entender que a ida a Vila Viçosa não fora mais do que uma das suas habituais visitas. De Mourão, enviou para Lisboa uma mensagem, dirigida a D. Miguel de Almeida, em que dizia “...que fora à Tapada, que se fizeram alguns tiros, e que uns se acertaram, outros se erraram, e que era grande a prudência de João Pinto...”.
Os termos pouco claros desta missiva, confundiram D. Miguel de Almeida, mas em breve Pedro de Mendoça chegou a Lisboa e esclareceu definitivamente os fidalgos sobre a conversa com o Duque.
Decidiram, então, enviar João Pinto Ribeiro a Vila Viçosa, para acertar com D. João o dia e a forma de executar o plano previsto, mas, uma vez mais, este escusou-se, apresentando as mesmas razões que anteriormente.
Com estas diligências, se perderam alguns dias, o que levou o Duque, por falta de notícias, a ficar seriamente preocupado, chamando João Pinto Ribeiro a Vila Viçosa com o pretexto de com ele discutir um processo judicial que corria com a Casa de Odemira.
João Pinto fez-lhe, então, relato dos acontecimentos, tendo D. João, não só concordado com as medidas tomadas, como também acrescentado que, dada a desconfiança que se vinha manifestando, por parte de Madrid e da Duquesa de Mantua, relativamente aos movimentos dos conjurados, entendia que as acções da aclamação deviam começar a desencadear-se desde logo.
Sublinhou, ainda, que se por qualquer motivo os fidalgos desistissem, à ultima hora, do que lhe haviam prometido, então ele próprio recorreria aos “povos, que em Alentejo estavam á sua devoção, havia de tentar a fortuna, saindo em campanha...”
Entregou, em seguida, a João Pinto Ribeiro, duas cartas, dirigida uma a D. Miguel de Almeida e a outra a Pedro de Mendoça, nas quais manifestava o seu apreço e afecto e pedia que se desse inteiro crédito ao que João Pinto transmitisse da sua parte.
Na mesma noite em que chegou a Lisboa, Domingo, 26 de Novembro de 1640, João Pinto convocou a junta de fidalgos para a sua residência, no Paço dos Duques de Bragança.
Depois de conhecida a posição do Duque, foi decidido marcar o golpe revolucionário para o sábado seguinte, dia 1 de Dezembro.

Em 29 de Novembro de 1640, uma quinta-feira, os conjurados reuniram-se para ultimar os preparativos do golpe revolucionário.
Nessa reunião compareceu, pela primeira vez, D. João da Costa, fidalgo de 30 anos, mas já com grande prestígio, pelo seu valor e talento, o qual teceu considerações que abalaram fortemente o ânimo dos conjurados.
Com efeito, sem pôr em questão os direitos dinásticos do Duque de Bragança, D. João da Costa levantou, porém, dúvidas sobre a sua capacidade para reinar na época conturbada em que se vivia: “...é necessário a Portugal que quem empunhar o ceptro, saiba exercitá-lo como bastão...”.
Lembrou ainda o jovem fidalgo que o Reino não tinha meios de defesa, pois os espanhóis tudo haviam levado, e não seriam certamente 40 fidalgos que, juntamente com os respectivos criados, formariam quanto muito uma força de 200 homens, que iria dominar uma cidade defendida por mais de 1500 soldados. E, mesmo que, pela surpresa, houvesse de início algum exito, em pouco tempo os exércitos de Madrid marchariam sobre Portugal e subjugariam a revolução.
Acrescentou ainda que enquanto a Catalunha tinha o auxílio de França, Portugal combateria isolado contra um poder muito superior.
Advertiu, no entanto, que se tivesse sido avisado mais cedo, teria ajudado a preparar tudo em melhores condições, mas entendia que, na situação actual da conjuração, pior seria parar do que seguir por diante com essa temeridade.

Bastante influenciados com as palavras de D. João da Costa, os presentes nessa reunião, à qual não haviam comparecido D. Miguel de Almeida e João Pinto Ribeiro, decidiram contactar este ultimo a fim de avisar o Duque de que tudo ficava suspenso.
Depois de alguma hesitação, João Pinto Ribeiro enviou, nessa mesma madrugada, para Vila-Viçosa, uma carta em que pedia “ que suspendesse até novo recado...”. Escreveu, em seguida, a D. Miguel de Almeida: “tudo é perdido se Deus não acode; Vossa Mercê acuda ao Rossio, que eu acudo a Enxobregas...”.

De facto, João Pinto esteve no palácio de Xabregas com Jorge de Melo, que lhe disse estar pronto para cumprir a sua palavra, apesar de não ter mais esperanças do que uma morte honrosa.
 Saindo de Xabregas, João Pinto encontrou Pedro de Mendoça, acompanhado de D. António Luis de Menezes, futuro I Marquês de Marialva, e aproveitou para lhes transmitir as ultimas novidades.
Pedro de Mendoça reagiu energicamente ao desânimo de João Pinto, manifestando a opinião de que o momento não era para vacilar, mas para avançar, atitude que foi secundada por D. António Luis de Menezes.
Contagiado pelo entusiasmo e determinação dos seus companheiros, João Pinto volta com eles a Xabregas e, exuberante de alegria, diz a Jorge de Melo que o encontro com Pedro de Mendoça e D. António Luis de Menezes fora um verdadeiro milagre de Deus, pois fizera ressuscitar a esperança e reforçar o ânimo.

Entretanto, D. Miguel de Almeida dirigira-se ao palácio Almada, no Rossio, e conseguira, também, reacender o entusiasmo dos conjurados, para ali expressamente convocados.
Cerca do meio-dia, era enviado um correio a Vila-Viçosa, com a mensagem cont´rria à que havia sido expedida nessa madrugada.

O Duque de Bragança, quando recebeu o primeiro aviso, suspendera as ordens dadas. Porém, não levantou a suspensão quando recebeu o segundo aviso, pois receava nova hesitação dos conjurados, tendo sido por essa a razão que o Alentejo não se sublevou ao mesmo que Lisboa, como estava previsto.

Na 6ª feira, dia 30 de Novembro, reuniram os conjurados na casa de D. Antão de Almada. O ambiente que reinava era de forte determinação e todos estavam conscientes de que iriam arriscar a vida, pelo que se confessaram, alguns fizeram testamento e encomendaram missas de sufrágio pelas suas almas.
Confirmou-se que, no dia seguinte, se juntariam no terreiro do Paço, pelas 9 horas da manhã, procedendo-se, também, a uma revisão cautelosa do plano de acção. Tomaram, ainda, conhecimento de que o Juiz do Povo e os Mesteirais estavam decididos e preparados para seguir os fidalgos , ao primeiro sinal.

Soube-se, entretanto, que a Condessa viúva de Atouguia, D. Filipa de Vilhena, cingira as espadas a seus filhos, D. Jerónimo de Ataíde, herdeiro do título, e D. Francisco Coutinho. A mesma atitutde tomara D. Mariana de Lancastre, viúva de Luis da Silva, Alcaide-Mor e Comendador de Seia, relativamente aa seus filhos, António Teles da Silva, futuro Governador e Capitão General do Brasil, e Fernão Teles da Silva, futuro I Conde de Vilar Maior.

No dia 1 de Dezembro, sábado, pouco antes das 9 horas, os conjurados, seus familiares e criados, vindos de todos os lados, uns a cavalo, outros em coche, começaram a juntar-se no Terreiro do Paço, sem que levantassem suspeitas aos soldados da guarda, uma vez que, àquela hora e naquele local, era normal a chegada das visitas da Duquesa de Mântua.
A aparente tranquilidade dos conjurados disfarçava a natural ansiedade do momento e está bem expressa na frasa dirigida por João Pinto Ribeiro a alguém da sua confiança, que indagava sobre o que estava a acontecer: “ Não se altere. Chegamos ali a baixo, à Sala Real, e é um instante enquanto tiramos um Rei e pomos outro”.

Quando bateram as 9 horas, Jorge de Melo, António de Melo e Castro e Estevão da Cunha avançaram para o Paço e atacaram a guarda castelhana. D. Miguel de Almeida subiu à Sala dos Tudescos e disparou um tiro de pistola, dando o sinal combinado para o desencadear da acção.
Luis de Melo, João de Saldanha e Sousa, D. Afonso de Menezes, Gaspar de Brito Freire e Marco António de Azevedo alcançaram o local onde estavam as alabardas e lançaram-nas ao chão. Os soldados da guarda tentaram impedir o acesso aos aposentos de Miguel Vasconcelos, mas Pedro de Mendoça e Tomé de Sousa puseram-nos em debandada. Luis Godinho de Benavente, criado do Duque de Bragança, e outros afastavam, entretanto, os tudescos que defendiam o quarto da Duquesa.
D. Miguel de Almeida, assomava, então, a uma das varandas do Paço e brandindo o estque, proclamava: Liberdade! Liberdade! Liberdade! Viva El-Rei D. João IV!”, grito que era repetido pelo povo, que se ia aglomerando no Terreiro do Paço.
Alguns dos conjurados, entre os quais Pedro de Mendoça e seu filho Luis, futuro Conde de Lavradio e Vice-Rei da India, então com apenas 13 anos de idade, dirigiram-se, então, aos aposentos de Miguel Vasconcelos, ferindo de morte, no caminho, Francisco Soares de Albergaria, Corregedor do Cível de Lisboa, que, imprudentemente, respondera aos gritos de “Viva El-Rei D. João IV!”, com um “Viva El-Rei D. Filipe!”.

Miguel Vasconcelos, avisado do movimento, refugiara-se numa dependência dos seus aposentos, dentro de um armário de papéis. Os conjurados, porém, arrombaram a porta e, provavelmente, alertados por uma escrava, encontraram-no. D. António Telo, o Queiroz, no cumprimento do seu juramento, alvejou-o com um primeiro tiro, a que se seguiram outros, disparados por outros conjurados. Ainda vivo, foi lançado por uma das janelas do Terreiro do Paço, sendo então alvo da ira incontrolada da populaça que, não obstante estar perante um corpo sem vida, cometeu actos de desmedida crueldade.
Encontraram a Duquesa a uma das janelas da Sala da Galé, por cima da porta da Capela Real, gritando ao povo que se lhe mantivesse leal. Obrigada, cortezmente, a afastar-se da janela e impedida também de descer ao Terreiro do Paço, D. Margarida usou de outra tactica, procurando convencer os conjurados de que Filipe III os perdoaria e até lhes agradeceria terem livrado o Reino dos excessos do Secretário de Estado Miguel Vasconcelos.
Tendo-lhe sido respondido que não reconheciam por Rei senão o Duque de Bragança, a Duquesa enfureceu-se de tal maneira que D. Carlos de Noronha se lhe dirigiu firmemente, pedindo que se retirasse da sala para que não lhe perdessem o respeito. “A mim! E como?!” replicou a D. Margarida, recebendo, de imediato a resposta claraa de D. Carlos: “ Como Senhora? Obrigando a Vossa Alteza a que, se não quiser entrar por esta porta, saia por aquela janela”.
Convencida da inutilidade de qualquer resistência, a Duquesa assinaria, ainda, a ordem para o governador do Castelo de São Jorge, D. Luis del Campo, se render, o que significou um enorme alívio para os conjurados, preocupados com a poderosa artilharia do castelo.

Entretanto, o povo acorria à rua e acompanhava os fidalgos nas suas manifestações de alegria e gritos de liberdade. D. Alvaro de (Almada) Abranches pegou na bandeira da cidade e, a cavalo, foi com ela desfraldada pelas ruas de Lisboa, ao encontro do Arcebispo de Lisboa, D. Rodrigo da Cunha, que seguia a pé, acompanhado de muito clero e povo, na direcção da Casa da Câmara. Os Desembargadores da Casa da Suplicação foram convencidos por Aires de Saldanha a confirmar formalmente a aclamação do Duque de Bragança.

Ao fim da manhã, reuniram-se no Paço os conjurados com o Arcebispo de Lisboa, a fim de nomear os Governadores do Reino, enquanto o Duque de Bragança não chegasse de Vila Viçosa. Depois de algumas hesitações e escusas, foram nomeados o Arcebispo de Lisboa , D. Rodrigo da Cunha, o Arcebispo de Braga, D. Sebastião de Matos e Noronha e D. Lourenço de Lima, futuro IX Visconde de Vila Nova da Cerveira.

Partiram, então, Pedro de Mendoça e Jorge de Melo, pela posta, para Vila Viçosa, onde chegaram na segunda-feira, dia 3 de Dezembro. Estava D. João a assistir à Missa na sua Capela, tendo recebido a notícia do sucesso da revolução com natural satisfação, mas não deixando transparecer qualquer perturbação.
Julga-se que D. João já teria sido avisado do resultado do movimento por João Pinto Ribeiro e daí que tivesse enviado aos vereadores da Câmara de Elvas, com data de 2 de Dezembro, a sua primeira Carta Régia, na qual anunciava a sua aclamação em Lisboa como Rei de Portugal e ordenava várias medidas de natureza militar, com vista à defesa daquela cidade raiana.

Entretanto, chegaram de Évora, onde D. João também já havia sido aclamado, o Marquês de Ferreira e o Conde de Vimioso, os quais, com Pedro de Mendoça e Jorge de Melo, acompanharam o Duque de Bragança, num coche, até Aldeia Galega, de onde embarcaram para Lisboa, tendo chegado à Ponte da Casa da India na manhã de 5ª feira, dia 6 de Dezembro. Em todo o percurso, foi D. João vibrantemente aclamado e alvo de grandes manifestações de apoio, atingindo-se o auge do entusiasmo no Terreiro do Paço, onde se juntara enorme multidão.

Em poucos dias, todo o país tinha aderido à Restauração, provando ao mundo que mesmo fragilizada e desarmada por 60 anos de domínio estrangeiro, uma Nação pode encontrar, em si mesma, os polos de energia capazes de reganhar a dignidade e escolher o seu destino.


Excertos do Capítulo V do Livro “História e Genealogia dos Mendoça Furtado, Alcaides-Mores de Mourão (1476-1674), da autoria de Luis de Bivar-Weinholtz de Azevedo, Lisboa, 2001






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